Entrevista com James Gruning
Entrevista com James Gruning

 

 

GERANDO COMUNICAÇÃO   EXCELENTE

Nara Damante e Paulo Nassar

Jornalistas

James Grunig é um dos mais notórios   estudiosos de Relações Públicas do cenário mundial. Nascido nos Estados   Unidos, Grunig é professor da Faculdade de Jornalismo da Universidade de   Maryland, a mesma em que se especializou em Relações Públicas, Ciência e   Teoria da Comunicação. Também é Ph.D. em Comunicação de Massa pela   Universidade de Wisconsin e conhecido por suas pesquisas sobre públicos, as   razões pelas quais as organizações praticam Relações Públicas de determinada   maneira e administração estratégica nessa área.

É co-autor de livros como Managing   Public Relations e Public Relations Tecniques, ambos publicados pela Harcout   Brace. Foi o primeiro vencedor do Pathfinder Award pela excelência em   pesquisa acadêmica em Relações Públicas, premiação concedida pelo Institute   for Public Relations Research and Education. Além da bagagem acadêmica,   Grunig foi consultor de pesquisas para AT&T, Edison Eletric Institute,   Maryland State Deoarment of Education, Black and Decker, American Alliance   for Health, entre outras organizações.

A convite da ABERJE, Grunig virá ao   Brasil, no próximo ano, como participante do I Congresso Internacional de   Comunicação Empresarial. Uma de suas mais importantes contribuições para o   setor foi a demonstração de que há uma correlação entre a prática excelente   das Relações Públicas e a importância que a alta administração confere à   comunicação estratégica. Conversando com Comunicação Empresarial, Grunig nos   concedeu entrevista inédita no Brasil.

ENTREVISTA

Comunicação Empresarial – Quais são os   caminhos para se obter excelência em Relações Públicas e comunicação neste   final de milênio? O que é comunicação excelente?

James Grunig – Comunicação excelente, como eu   defini, são as Relações Públicas que agregam valor à organização. As Relações   Públicas são excelentes quando ajudam a organização a atingir seus objetivos.   Entretanto, as organizações não atingem seus objetivos isoladamente porque   suas decisões têm conseqüências nos públicos e estes, freqüentemente,   opõem-se aos objetivos da empresa. Portanto, as organizações devem estar em   sinergia com seus públicos e incorporar seus objetivos aos da organização.   Quando as empresas e seus públicos desenvolvem objetivos juntos, elas   geralmente possuem melhores relacionamentos que as organizações que tomam   decisões sem pensar nas conseqüências que terão. O trabalho de Relações   Públicas excelente, portanto, é uma função administrativa que ajuda a   construir relacionamentos com públicos estratégicos – aqueles que afetam as   decisões da organização ou que são afetados pelas decisões da organização.

Empresas que têm um fraco relacionamento com seus públicos geralmente   perdem dinheiro com litígios, legislação, regulamentação, notícias ruins,   reputação fraca, agitação dos empregados, boicotes de consumidores. Para   construir relacionamentos sólidos com os públicos estratégicos, o diretor de   comunicação deve fazer parte ou ter acesso à alta diretoria. Primeiro, ele ou   ela deve participar do processo de tomada de decisões estratégicas para   conhecer o que será implementado. O profissional deverá identificar os   públicos afetados por estas decisões e estar pronto para se comunicar com   eles antes que elas aconteçam.

Há quatro termos-chave que definem as Relações Públicas excelentes:   estratégica (as Relações Públicas devem fazer parte das tomadas de decisão   estratégica da organização), duas mãos (as Relações Públicas devem coletar   informações dos públicos bem como disseminar informações para eles),   simétrica (Relações Públicas devem ser a voz da administração que tenta   balancear os interesses da organização com os interesses dos públicos) e   relacionamento (a função máxima das Relações Públicas é construir   relacionamento entre a organização e seus públicos).

CE – Qual o perfil do   novo profissional de Relações Públicas e no que ele difere do modelo   anterior?

Grunig – Os novos profissionais de Relações Públicas   participam da administração estratégica, vêem Relações Públicas como um   processo simétrico, conduzem pesquisas ou extraem informações do ambiente por   outros meios e são os especialistas em construção de relacionamento. Para   exercer as Relações Públicas desta maneira, os novos profissionais devem ter aprendido   um leque de conhecimentos da área baseado em pesquisa que os guiam na prática   de suas atividades. Este profissional estudou Relações Públicas na   universidade, mas também adquiriu conhecimento por outras fontes: leituras,   participando de atividades em organizações profissionais ou realizando   pesquisa como parte de seu trabalho.

Os profissionais de Relações Públicas tradicionais não vêem a   atividade além do relacionamento com a imprensa e da construção de imagem –   geralmente sem entender o valor que estas atividades possuem (se é que   possuem algum) para os seus clientes ou superiores . Os profissionais   tradicionais têm pouca educação formal em Relações Públicas e provavelmente   aprenderam suas atividades de outros profissionais que simplesmente praticavam   Relações Públicas do mesmo modo como seus antecessores.

CE – Como as Relações   Públicas podem contribuir para a excelência empresarial dentro de um cenário   que privilegia a tecnologia da informação e provoca mudanças globais nas   organizações e no Ser Humano?

Grunig – As Relações Públicas devem se tornar uma fonte   de informação e conhecimento. Nós devemos desenvolver métodos para obter   informações do público para que a administração tome melhores decisões. A   moderna tecnologia da informação baseada em computadores torna possível para   os profissionais interagirem simetricamente com seus públicos de uma maneira   que não era possível anteriormente. As Relações Públicas podem utilizar a   internet para práticas tradicionais como relacionamento com a mídia e com os   empregados de uma maneira muito mais efetiva. Os profissionais dessa área   podem colocar à disposição da imprensa e dos funcionários das empresas as   informações que eles necessitam e esses públicos poderão localizá-las quando   quiserem.

Eles também podem criar um website interativo para que   funcionários, jornalistas, consumidores e outros possam fazer perguntas e   sugestões bem como fazer um download das informações. Os profissionais   de Relações Públicas podem monitorar seus públicos pela Internet por meio de   visitas aos sites de grupos ativistas e participação em grupos de discussão e   chats. Também é possível colocar questionários no site e fazer   pesquisas formais pela Internet. O mais importante, talvez, seja a   possibilidade que a tecnologia moderna permite em construir todos estes   relacionamentos tanto globalmente, quanto localmente.

CE – Como analisa a   evolução das Relações Públicas no cenário mundial dos anos 70, 80 e 90?

Grunig – Eu comecei a ensinar Relações Públicas em 1969   e tenho observado a prática das Relações Públicas nestas três décadas. Certos   aspectos não mudaram nada nestes últimos 30 anos. A maioria dos profissionais   de Relações Públicas estava preocupada com o relacionamento com a mídia nos   anos 70 e a maioria continua preocupada com isto hoje. Entretanto, nestes 30   anos, a pesquisa em Relações Públicas melhorou muito – tanto a pesquisa   prática realizada pelos profissionais quanto a pesquisa acadêmica. A   habilidade dos profissionais em implementar pesquisas ou encomendá-las a   empresas especializadas tornou possível a prática das Relações Públicas de   forma estratégica e simétrica de duas mãos.

Os profissionais que apenas têm habilidade para escrever e disseminar   informações não conseguem trabalhar desta maneira. Muitos (mas não todos) dos   profissionais de hoje aprenderam como planejar estrategicamente as Relações   Públicas, medir e avaliar os resultados de seus trabalhos, aconselhar a   administração e empregar de diversas formas a comunicação com seus públicos –   incluindo, mas não se limitando, à comunicação de massa. Além disso, o   presidente ou os diretores das organizações começaram a reconhecer o valor   das Relações Públicas na administração e começaram a reconhecer que os   profissionais de Relações Públicas agregam valor à sua organização.

Finalmente, os estudiosos em Relações Públicas contribuíram muito no   conhecimento teórico para os profissionais de Relações Públicas que não   existiam nos anos 70 e até mesmo nos anos 80. As Relações Públicas atualmente   possuem um corpo de conhecimento que as torna uma profissão comparável a   direito, medicina e outras profissões tradicionais. A educação em Relações   Públicas melhorou muito nos últimos 30 anos. Hoje, os graduados em Relações   Públicas saem da universidade com muito mais conhecimento e entendimento que   os seus similares das décadas anteriores.

CE – O senhor   realizou uma pesquisa com a International Association of Business   Communicators (IABC) sobre a busca da excelência em Relações Públicas. Quais   foram os resultados? Houve outros estudos a respeito?

Grunig – O Estudo da Excelência evidenciou que   há uma correlação entre a prática estratégica e simétrica das Relações   Públicas e alcançar efeitos de comunicação no curto prazo e manter   relacionamentos de longo prazo com qualidade. Os pesquisadores classificaram   os departamentos de Relações Públicas excelentes quando o presidente de suas   organizações valorizavam a contribuição do departamento. A pesquisa também   mostrou que estes departamentos praticavam Relações Públicas estrategicamente   e contribuíam para a administração geral de suas organizações. Os presidentes   diziam que apoiavam estes departamentos por causa da sua habilidade em   estabelecer relacionamentos com públicos estratégicos.

O diretor de comunicação nos departamentos excelentes se reportava   mais freqüentemente que os menos excelentes e diziam que seus programas   tinham "mudanças no relacionamento", assim como mudanças no   comportamento do público, maior cooperação entre a organização e o público e   o desenvolvimento de uma relação de longo prazo estável. Eles relataram   também o "impedimento de conflitos", ou seja, essas empresas   evitavam litígios, tinham menos reclamações do público e menor interferência   do governo. Ao mesmo tempo, os comunicadores excelentes possuíam o que os   seus departamentos definiam como "resultados objetivos" em seus   relacionamentos de curto prazo com a mídia, empregados, comunidade,   consumidores, membros, governo e investidores.

Outra característica era que seus departamentos utilizaram todas as   formas de avaliação de curto prazo mais freqüentemente que os comunicadores   menos excelentes – especialmente avaliações científicas, mas também   "posicionamento na mídia". Como resultado, o Estudo da   Excelência evidenciou que os departamentos de Relações Públicas que   estabelecem objetivos e avaliam os resultados de seus programas de   comunicação de curto prazo possuem sucesso ainda maior na construção de   relacionamentos de longo prazo com seus públicos.

A explicação para este relacionamento é óbvia: organizações que se   comunicam eficazmente com seus públicos desenvolvem melhores relacionamentos   porque a administração e os públicos entendem uns aos outros e porque ambos   têm menos chances de se comportar de maneira que traga conseqüências   negativas nos interesses do outro. Entrevistas em profundidade com os   melhores departamentos de Relações Públicas excelentes mostrou que a boa   comunicação muda comportamentos tanto no público quanto na administração e,   portanto, resulta em bons relacionamentos.

Se os diretores de Relações Públicas ajudarem a administração a   entender que certas decisões podem ter conseqüências adversas no público,   então ela tomaria uma decisão e se comportaria de um modo diferente. Então, a   mudança no comportamento da organização poderia ocasionar uma alteração no   comportamento do público. Por exemplo, o público estaria mais aberto a   aceitar uma nova fábrica na vizinhança, comprar um produto que se tornou   aceito ou apoiar a reengenharia que leve em conta os interesses do   funcionário. Eu vou detalhar mais sobre essa pesquisa na minha ida ao Brasil   em março para o Congresso Internacional de Comunicação Empresarial, da   Aberje.

CE – O senhor tem uma   teoria evolutiva sobre Relações Públicas em que o primeiro modelo é o da   publicity (agência/assessoria de imprensa). O segundo é o da difusão de   informações seguindo o modelo jornalismo. O terceiro é o "assimétrico de   duas mãos", em que inclui o uso de pesquisa para criar mensagens   persuasivas e manipular os públicos. O quarto é o modelo "simétrico de   duas mãos", buscando um equilíbrio de interesses da organização e de   seus respectivos públicos. Nele, a pesquisa é utilizada para administrar   conflitos e melhorar o entendimento dos públicos estratégicos, dando mais   ênfase aos públicos prioritários que à mídia. Em qual desses modelos está a   maioria das empresas multinacionais? Por quê? Há um novo modelo a caminho?

Grunig – A questão dos quatro modelos de Relações   Públicas é uma questão muito complicada. Os modelos são bastante populares   entre os pesquisadores de Relações Públicas por todo o mundo porque eles   descrevem o modo típico com que as Relações Públicas são praticadas e porque   ele especifica a maneira normativa ideal em que as Relações Públicas deveriam   ser praticadas para serem eficazes.

O estudo da excelência mostrou que os departamentos de Relações   Públicas mais eficazes são os que praticam o modo simétrico de duas mãos. Já   o modo assimétrico de duas mãos é encontrado, com mais freqüência, nos   departamentos menos eficazes. Entretanto, os departamentos eficazes praticam   também o modelo de assessoria de imprensa e informação pública. Eles conhecem   melhor a prática dos quatro modelos que os menos eficazes. Portanto, nós   descobrimos que as grandes companhias praticam, de certa forma, os quatro   modelos.

As companhias menos eficazes praticam apenas assessoria de imprensa ou   Relações Públicas – a prática tradicional de Relações Públicas. As companhias   excelentes adicionam a prática simétrica de duas mãos no seu repertório de   atividades. É difícil dizer qual modelo as grandes companhias globais mais   praticam. Eu posso dizer que as companhias globais que fazem Relações   Públicas com mais eficácia incluem atividades de Relações Públicas simétrica   de duas mãos em seu trabalho.

Em meu segundo livro do projeto da excelência Manager’s Guide to   Excellence in Public Relations and Communication Managemant, desenvolvi   um novo modelo chamado modelo de duas mãos, que integra todos os modelos em   um só. Em meu terceiro livro, mostrarei que há quatro dimensões latentes que   distinguem os quatro modelos uns dos outros – simétrica e assimétrica, uma   mão e duas mãos, comunicação mediatizada e interpessoal, éticas e não éticas.   Departamentos excelentes praticam Relações Públicas de uma maneira simétrica,   de duas mãos, usa a comunicação mediatizada e interpessoal e são éticas.

CE – Se não houver   predisposição da organização, o gestor de comunicação terá que mexer no   conjunto da organização para desenvolver um trabalho holístico. Por onde   começar?

Grunig – Para responder esta pergunta, eu me remeto às   respostas da primeira questão e também da quinta. O gestor de comunicação   deve ter um papel junto à administração estratégica da empresa se ele ou ela   quiser produzir algum efeito no comportamento da organização como um todo.

CE – Quais são as   características de uma cultura corporativa aberta à comunicação? Como   detectar "organizações saudáveis" e "organizações   doentes"?

Grunig – No estudo da excelência, nós definimos dois   tipos de cultura organizacional: participativa e autoritária. Organizações   saudáveis geralmente possuem cultura participativa e organizações doentes têm   culturas autoritárias.

Empresas com cultura participativa dão poderes aos seus empregados,   possuem uma comunicação simétrica dentro da organização, há mais trabalhos em   equipe, existem menos regras e regulamentos rígidos, tratam os funcionários   como seres humanos holísticos e permitem que eles participem em tomadas de   decisões importantes. Organizações com cultura autoritária são rígidas e   hierárquicas, dão pouco poder aos funcionários e os tratam como parte de uma   máquina, possuem comunicação interna assimétrica, têm regras rígidas, com   descrições de tarefas, e valorizam mais a eficiência e o conservadorismo que   a inovação. Nós encontramos alguns departamentos com Relações Públicas   excelentes em organizações com cultura autoritária, mas a cultura   participativa proporciona um ambiente muito melhor para a excelência em   Relações Públicas.

CE – Como as Relações   Públicas podem auxiliar as empresas no descobrimento de suas   responsabilidades sociais?

Grunig – Relações Públicas é a prática da   responsabilidade social. Quando as Relações Públicas participam da   administração estratégica de uma organização, cujo processo eu já descrevi   anteriormente, o resultado é que a administração toma mais decisões   socialmente responsáveis. As decisões não são responsáveis quando elas têm   conseqüências adversas nos interesses do público. Os públicos se manifestam   quando as organizações tomam decisões que tenham conseqüências neles,   principalmente quando são afetados por essa decisão. Estes públicos se   organizam e, conseqüentemente, criam problemas.

Notícias ruins causam danos à reputação da organização e sempre acabam   em protestos, litígios, regulamentação e legislação que são custosos à   empresa. É por isso que nós chamamos os Relações Públicas que lidam com estas   questões de "administradores de problemas". Se a administração, em   primeiro lugar, tomar mais decisões socialmente responsáveis, então haverá   menos conseqüências negativas junto aos públicos e eles criarão menos   problemas.

Em resumo, as Relações Públicas contribuem para a responsabilidade   social por: participar no processo de tomada de decisão para determinar quais   conseqüências poderão ocasionar nos públicos, comunicar-se com os públicos   sobre os impactos que estas decisões podem ter antes que elas sejam tomadas e   negociar com membros de cada público para encontrar caminhos para minimizar   os impactos negativos dessas decisões neles.

                                                                     

Originalmente publicado em: Comunicação   Empresarial, n. 33, quatro trimestre 1999.